É muito comum a gente dizer que está fugindo de atritos. "não quero sofrer, nem fazer ninguém sofrer."; "Não quero me magoar, nem quero magoar ninguém.". Estas são apenas algumas das muitas frases que costumamos proferir no dia-a-dia.
"Ninguém muda ninguém; ninguém muda sozinho; mudamos nos encontros". É uma frase simples, mas completa. E para haver encontro, tem que haver atrito. Não há como ter encontro sem atritos. É, justamente, nos relacionamentos que nos transformamos.
Atrito aqui não são apenas coisas ruins, mas toda e qualquer forma de contato com o nosso próximo, seja ele um conhecido ou um completo estranho. Aprendemos que no atrito há troca de energia e até liberação de calor.
Mas para que essa transformação ocorra é necessário que estejamos com o coração aberto e com a mente livre para que possamos ser contagiados com as idéias e sentimentos dos outros. Conseguir se colocar no lugar do outro e entender o porquê dele agir dessa ou daquela forma, que muitas vezes julgamos diferente, também ajuda muito.
Assim como há diferenças entre as pedras da nascente e da foz de um rio, nos também temos diferenças na medida em que somos mais ou menos atritados.
Na nascente as pedras são mais toscas, cheias de arestas e pontiagudas, mas à medida que vão rolando rio abaixo e atritando umas com as outras e com as águas do rio, elas vão ficando mais polidas, as arestas vão sumindo paulatinamente e as suas pontas, ainda que existam, não machucam mais como outrora.
Quando somos ofendidos ou mesmo quando ofendemos alguém, acontece o mesmo processo de lapidação. Quando damos carinho, amor e atenção, não só damos, mas também recebemos. Essa é a lei da ação e reação. Num atrito não há como apenas uma parte ser desgastada. O impacto vai servir para as duas partes atritadas.
Tente passar uma lixa na parede. O que acontece? Só a parede se desgasta? Só a lixa se desgasta? Não! Ambas sofrem transformações e ficam menos ásperas.
Qual o tamanho de um diamante bruto? Grande, né? E qual o valor dele? Bem menor que depois de lapidado e polido. Depois de ser atritado, ele se torna menor, mas com um valor bem maior.
Daí tiramos outra lição! Mesmo que a gente se sinta menor, depois de polido, o nosso valor será muito maior. Muitas vezes temos que ser, inclusive, pequenos para que sejamos grandes.
O grande Mestre das emoções, Jesus Cristo, num dos seus sermões (que foram poucos), nos aconselha para que sejamos como as criancinhas, ou seja, que procuremos sempre ser pequenos.
Isso não tem nada a ver com se humilhar, em se depreciar, em ter baixa auto-estima, mas ser pequeno para ser grande.
Noutra passagem Ele diz para que não procuremos os primeiros acentos, para que não nos mande para traz, mas que possamos procurar os últimos acentos e o mestre da cerimônia nos exalte e nos chame para frente.
Não existe sentimento bom ou ruim sem a existência do outro. Seria fácil se a gente se isolasse numa ilha deserta e não tivesse contato com ninguém, mas nesse caso, não haveria crescimento mental, moral, nem espiritual. É esse contato que nos faz seres humanos. E precisamos a cada dia nos humanizarmos cada vez mais.
Humanizar não significa que sejamos "bonzinhos". É lógico que ainda vamos nos irritar e irritar os outros; vamos agredir e seremos agredidos; vamos esbravejar muito e vamos receber algumas ofensas.
Humanizar significa que tiraremos proveito de tudo isso. Vamos tirar aprendizado. Vamos crescer e nos tornarmos cada vez menores perante o outro. Vamos buscar sempre servir, antes de sermos servidos.
Como diz na famosa oração de São Francisco: "é dando que se recebe..."
Como teria sido possível a Maiêutica Socrática, se não fosse o atrito que ele conduzia com os seus discípulos, por meio da reflexão, levando-os a descoberta do próprio conhecimento? Ou como teríamos aprendido com o discurso do Apóstolo Paulo no Sinédrio, na sua defesa? Ou ainda, como poderíamos ter aprendido com as diversas vezes que Jesus foi questionado e até ofendido pelos letrados e poderosos da época?
Por isso, meus amigos, não vamos temer os atritos que a vida nos proporciona. Vamos buscar cada vez mais contato com outras pessoas. É nesse contato diário, que acontecem as trocas de experiências (sejam elas boas ou más).
E por falar em atrito...Tem atrito melhor que um abraço fraterno? Quanta troca há num simples e caloroso abraço?
Nós vamos continuar brigando e discutindo, mas vamos aproveitar pra abraçar e beijar muito, todos os nossos semelhantes.
(Kilson N. da Silva)